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As Curtas

12 Jan 202618:30a
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Cinema e audiovisual

Agora que os filmes de João César Monteiro estão todos digitalizados, num trabalho levado a cabo pela Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, é o tempo certo para que os espectadores portugueses possam voltar a ver de novo nas salas, em cópias restauradas, esta obra extraordinária, ferozmente livre e de uma coragem artística ímpar, de um cineasta singular e iconoclasta que marcou sobremaneira a arte portuguesa no último meio século.


E, sobretudo, para que uma nova geração possa descobrir a sua obra “incandescente”, e “desmedidamente genial”, como a descreveu João Bénard da Costa, irónica e incisiva, sempre a morder-nos os calcanhares, que começou com um belíssimo encontro com Sophia de Mello Breyner Andresen em 1969; deambulou pelos contos tradicionais portugueses, em filmes que vão beber aos nossos mitos primordiais e às suas grandes paixões cinéfilas; inventou um alter-ego chamado João de Deus e César vestiu-lhe a pele nas suas tragicomédias, onde, escreveu Victor Erice, “o sagrado e o profano, a alma e o corpo, Deus e o Diabo aparecem sempre juntos, indissociáveis, convivendo no mesmo plano sem passar pela peneira da moral estabelecida. Percorre-as um fantasma: o fantasma da liberdade, que aparece nelas como subversão radical da Realidade”; que escandalizou meio mundo da cultura deste país onde os homens / são só até ao joelho, como no poema de Cesariny, e que, por não terem grandeza, eles e o país, o quiseram encolher e encalhar por ter tido a coragem de, durante a rodagem de Branca de Neve, assumir que era outra coisa que o texto de Robert Walser pedia, e ter ousado um gesto artístico único, criando um “extraordinário filme da palavra sobre o écran negro”, como disse Manoel de Oliveira; até às “três horas de puro prazer”, de Vai e Vem (2003), filme derradeiro de uma lucidez extrema de um cineasta que “inventou” para si um lugar próprio no cinema, e que se estrearia em Cannes, já depois da sua morte.


Uma obra que, a partir de Silvestre (1981), estreado no festival de Veneza, desperta a atenção internacional. Foi o filme do seu encontro com o produtor Paulo Branco, com o qual faria depois O Último Mergulho (1992, festival de Veneza), As Bodas de Deus (1998, festival de Cannes), Branca de Neve (2000, Veneza) e o terminal Vai e Vem (2003, Cannes). De entre os vários prémios que recebeu, destacam-se o Prémio Especial do Júri para Recordações da Casa Amarela (1989) e o Leão de Prata – Grande Prémio Especial do Júri para A Comédia de Deus (1995). Os elogios internacionais multiplicaram-se, de Jean Douchet a Serge Daney, Jean Narboni, Frédéric Bonnaud, Philippe Azoury, Emmanuel Burdeau ou Roberto Turigliatto, dos realizadores Jean-Claude Biette, Otar Iosseliani, Victor Erice, Catherine Breillat, dos escritores Susan Sontag e Bernardo de Carvalho. Uma obra que continua viva, vista e revista. Recentemente, em Nova Iorque, o MoMA levou a cabo, com grande sucesso, uma retrospectiva, a que se seguirão estreias em sala nos EUA e Canadá, e ainda a edição DVD/BLURAY de todos os seus filmes e a publicação de um livro; em França acaba de sair, pela Potemkine, um coffret DVD/BLURAY com todos os filmes, e vários artigos na imprensa.


Parafraseando Manuel Gusmão, poeta e amigo de César, e que vemos no Quem Espera…, a propósito de Herberto Helder, poeta dilecto do cineasta: voltemos a estes filmes como quem tem a certeza que lhe trarão a incorruptível alegria de uma inóspita beleza. — Medeia Filmes


 


João César Monteiro nasce a 2 de fevereiro de 1939 e morre a 3 de fevereiro de 2003. Em 1963, com 15 anos, recebe uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian para estudar cinema na London Film School. Dois anos depois regressa a Portugal para realizar o seu primeiro filme, Quem Espera por Sapatos de Defunto Morre Descalço (1971). Atualmente, o seu trabalho como realizador tem sido objeto de estudo para portugueses e estrangeiros, críticos e académicos, que o reconhecem como um dos mais importantes realizadores portugueses juntamente com Manoel de Oliveira. Várias das suas obras são representadas e premiadas em festivais internacionais como o Festival de Cannes e o Festival de Veneza: Silvestre (1981) foi apresentado no Festival de Veneza, festival onde regressa com Recordações da Casa Amarela (1989) e ganha o Leão de Prata. Novamente em Veneza com A Comédia de Deus (1995) recebe o Grande Prémio Especial do Júri.