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Eduardo PESSOA Lourenço

Eduardo Lourenço amava e precisava dos seus livros e, contudo, decidiu em vida deixá-los partir numa intenção evidente de dar a ler aos outros. Repartiu a sua biblioteca por entidades diversas, em várias cidades [1], cabendo à Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra a parte da «Pessoana», livros de e sobre Fernando Pessoa, um dos seus grandes e heterodoxos interesses intelectuais. Separados por sua mão, segundo o seu próprio critério, são cerca de 500 obras, incorporadas em 2014, que se encontram tratadas e acessíveis no nosso catálogo integrado.



As bibliotecas de escritores têm sido analisadas no pressuposto de que o conhecimento do conteúdo e das práticas de leitura podem elucidar as suas obras. Todavia, o trânsito das marcas de leitura para as marcas de escrita não é linear nem unidirecional, ou seja, dos textos lidos para os textos escritos. Esse trânsito também acontece no sentido inverso na medida em que os atos de leitura geram processos de invenção escrita que ressignificam os textos lidos. De resto, a maior parte desta dinâmica não deixa registo direto: ela ocorre apenas no sistema cognitivo expandido formado pela lectoescrita, isto é, pela expansão do pensável e do escrevível na consciência de um sujeito.



Ao ocupar-se de processos de apropriação da leitura que estão na base da criação literária, a crítica genética tem distinguido entre marginalistas e extratores. Os autores marginalistas deixam as suas marcas de leitura nos próprios documentos, sublinhando no corpo do texto e escrevendo nas entrelinhas, nas margens e nas folhas de rosto e de guarda. Os autores extratores transcrevem passos para os seus cadernos, por vezes sem identificação clara das fontes, usando-os para alimentar a sua imaginação.



Mas as marcas explícitas de leitura – que as convenções académicas transformaram na obrigatória lista de referências – constituem apenas uma das dimensões do processo de apropriação e transformação da leitura pressuposto em todos os atos de escrita. Eduardo Lourenço trabalha muitas vezes com alusões implícitas que entrelaça no seu discurso ensaístico, e que só por engenharia invertida se conseguem identificar. Um bom exemplo deste procedimento é a obra Heterodoxia I (Coimbra Editora, 1949), cuja rede de citações e referências foi parcialmente reconstituída num dos painéis desta exposição.



A exposição «Eduardo PESSOA Lourenço» tem dois objetivos principais: por um lado, dar a conhecer a biblioteca pessoana de Eduardo Lourenço; por outro, dar a ver a partir das suas práticas de leitura, tal como se podem inferir das marcas e sinais nos próprios livros, a natureza decisiva do seu encontro com Pessoa. O olhar poliédrico que propomos sobre a leitura de Pessoa encontra-se dividido em oito facetas: «Pessoana ativa», «Pessoana passiva», «fazer biblioteca», «ler ou desistir de ler», «regressar ao livro», «uma vida dentro do livro», «usar livros e bibliotecas» e «usar a BGUC». A exposição permite ainda imaginar perguntas mais vastas: como dialoga a produção pessoana de Eduardo Lourenço com as suas leituras? Como se relacionam as referências explícitas com as referências implícitas nessa produção? Como lê um escritor? Como lê heteronimicamente? Com a exposição «Eduardo PESSOA Lourenço”, a Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra associa-se às comemorações do centenário do nascimento de Eduardo Lourenço (1923-2023).





[1] Em Coimbra, existem outros núcleos da Biblioteca de EL: na Faculdade de Letras e na ex-Casa da Escrita (Casa da Cidadania da Língua) desde 2015. Além destes núcleos, cerca de 3000 volumes (na sua maioria nos domínios da Filosofia, História e Literatura) foram doados em 2008 à Biblioteca Municipal da Guarda, cujo novo edifício, inaugurado em 2008, passou a designar-se Biblioteca Eduardo Lourenço. Refira-se ainda que o seu arquivo documental (c. de 100.000 documentos, entre os quais 11.000 itens de correspondência) foi adquirido pela Biblioteca Nacional em 2015.