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Relevância e evolução da Floresta portuguesa

Durante as grandes mudanças climáticas pleistocénicas, com avanços e recuos dos gelos continentais (glaciações), Portugal Coninental esteve coberto de florestas diferentes das actuais. Antes da última glaciação (Würm), este cantinho europeu, com um clima subtropical e húmido, estava coberto por uma floresta de lenhosas de folhagem persistente, com composição semelhante à que se observa, ainda hoje, nalgumas regiões dos Açores, Canárias e Madeira; a laurisilva.



Este ecossistema (laurisilva) é assim designado por ser um tipo de floresta (silva) com árvores da família das Lauráceas, como o loureiro (Laurus nobilis e Laurus azorica), o til (Ocotea foetens ), o vinhático (Persea indica ) e o barbuzano (Apollonias barbujana).



Durante a última glaciação (Würm), a laurisilva praticamente desaparece do Continente, passando este a ter uma cobertura florestal semelhante à actual taiga, que circunda a parte continental norte do globo terrestre, em torno do círculo polar árctico. São disso testemunha as relíquias do pinheiro-de-casquinha (Pinus sylvestris) que ainda se encontram em algumas das zonas montanhosas mais frias do Gerês.



Após as glaciações, com o desaparecimento da laurisilva e da taiga, o respectivo nicho ecológico continental foi ocupado por uma nova floresta com espécies arbóreas mais adaptadas ao novo clima. Entre essas espécies lenhosas, predominam árvores da família das Fagáceas, como os carvalhos (espécies do género Quercus), a faia (Fagus sylvatica), que chegou naturalmente só até à vizinha Galiza, tendo sido introduzida no nosso país antropicamente e o castanheiro (Castanea sativa). Portanto, quando a nossa espécie (Homo sapiens) se instala na Europa (há ± 40-35 mil anos), em plena última glaciação (Würm) vai “assistir” e talvez “colaborar” na formação desta floresta mista de lenhosas caducifólias e de algumas sempre-verdes (relíquias da laurisilva ou glaciáricas como o Pinus sylvestris).



Os lusitanos viviam desta floresta que lhes fornecia caça, peixe, frutas, farinha de bolota para o pão, castanha e verduras. Mais tarde, o povo também se fazia pão de farinha de castanha ou pão dos bosques, a “bola sovada” (falacha) e “pratos relíquias” à base de castanha pilada, como o paparote ou caldulo e, ainda, alguma “actividade social” baseada na castanha, como, os magustos, estando as brechas (apanha prévia, pela garotada) e os rebuscos (apanha das sobras pelos aldeões de fracos recursos) praticamente em desuso.



Quando o homem inicia o cultivo de cereais (trigo e cevada) e a domesticação de animais (cabra, ovelha e porco) há cerca de 8-7 mil anos, inicia-se a degradação da fagosilva. Uma parte das montanhas do norte do país, talvez já estivesse com a floresta muito degradada no início da nossa nacionalidade.



Por outro lado, os Descobrimentos e respectiva Expansão tiveram grande impacte na devastação das formações florestais do nosso país. Inicialmente, para a construção naval, foi utilizada madeira de azinheira (Quercus ilex subsp. ballota = Q. rotundifolia) e de sobreiro (Quercus suber). Porém, devido à utilidade destas duas espécies de carvalhos, fornecedores, respectivamente, de bolota comestível e de cortiça, foi proibido o respectivo abate, tendo sido substituídas pelo carvalho-alvarinho (Quercus orocantabrica) (para cada nau eram necessários entre dois mil a quatro mil carvalhos). Outras madeiras utilizadas, mas em menor quantidade, foram o pinho para a mastreação e vigamento e o castanho para o mobiliário. Só para a “Campanha de Ceuta” foram necessárias 200-300 naus e durante a Expansão dos Descobrimentos, para a Índia construíram-se 700-800 naus e para o Brasil cerca de 500. Portanto, durante essa época derrubaram-se mais de 5 milhões de carvalhos. Foi assim que se desflorestou grande parte do país. O declínio não foi apenas de plantas; o urso, por exemplo, extinguiu-se, nessa época, em Portugal.



Mais tarde, para a construção da rede de caminho-de-ferro, foram derrotadas as florestas onde predominava o carvalho-negral (Quercus pyrenaica), cuja madeira servia para fabrico das travessas das vias férreas.



Assim, as montanhas, particularmente as da região entre o Douro e o Tejo, foram praticamente desarborizadas e, portanto, erodidas, tendo sido o respectivo solo arrastado, assoreando os rios.



Com as montanhas desarborizadas, a população passou a viver da pastorícia, com transumância dos rebanhos das planícies para a montanha no verão e vice-versa no inverno. A quantidade de animais que pastava nas serras era muito elevada, degradando os ecossistemas da montanha, com a consequente erosão dos solos.



Os fogos e a prática das queimadas nas regiões agrícolas e também nas regiões de pastoreio, foram outro factor que contribuíu e continua a contribuir para a desertificação das nossas montanhas.



A destruição foi tal que os ecossistemas florestais portugueses, de que ainda possuímos algumas relíquias muito degradadas, foram sendo substituídos por urzais (Erica spp. e Calluna vulgaris), giestais (Cytisus spp.) e tojais (Ulex spp.) ou formações naturais mistas de urzes, giestas, tojo e carqueja (Pterospartium tridentatum), vulgarmente conhecidos por matos.



A partir de certa altura, essas áreas de mato foram rearborizadas com o pinheiro-bravo (Pinus pinaster) e algum pinheiro-manso (Pinus pinea). O pinheiro-bravo, sendo uma resinosa de crescimento mais rápido, teve maior profusão do que o pinheiro-manso e do que as folhosas, tendo ampliado extraordinariamente a respectiva área, particularmente depois da criação dos “Serviços Florestais” e da política de arborização do “Estado Novo”, tendo-se criado em Portugal a maior área de pinhal contínuo da Europa.



O povo que vivera da floresta primitiva (caça, bolota, castanha, etc.) e que, após a destruição desta, passou a viver dos matos (pastorícia), teve de modificar, mais uma vez, os seus hábitos e viver do pinhal, que lhe dava mato para “cama” do gado, madeira, lenha, pinhas e caruma para combustível, resina, e muitos objectos manufacturados artesanalmente, como colheres, garfos e até facas.



Para sul do Tejo, apesar de se terem devastado muitos sobreirais e quase todos os montados de azinho, particularmente após a célebre campanha do trigo, o pinhal nunca teve grande implantação.



A partir de meados do século passado (XX) os pinhais têm vindo a ser substituído por eucaliptais, particularmente de Eucalyptus globulus. Os eucaliptos interessam mais às celuloses por serem árvores de crescimento mais rápido do que os pinheiros. Nas últimas décadas incrementaram-se tão desenfreadamente as plantações de eucaliptos que se criou em Portugal a maior área de eucaliptal contínuo da Europa.



Com as montanhas ocupadas por eucaliptais, deu-se o êxodo rural pois, como os eucaliptos são cortados periodicamente de dez em dez anos, o povo não fica dez anos a olhar para as árvores em crescimento, sem ter mais nada que fazer. Isto porque os eucaliptais não dão para mais nada a não ser madeira para as celuloses, pois além de não terem praticamente mato útil, não podem ser cortados para lenha nem fornecem boa madeira para construção ou mobiliário. Assim, o povo além do abandono rural a que foi “forçado”, ficou ainda numa dependência económica monopolista, um risco para o qual não é, nem nunca foi, alertado.



Como é do conhecimento geral, a partir de 1975 aumentaram espectacularmente os fogos florestais em Portugal, constituindo um verdadeiro escândalo nacional a destruição não só da nossa vasta área de pinhal, como de algumas relíquias florestais e até de zonas agrícolas. Assim, tem-se vindo a assistir a um aumento sistemático da área ocupada por eucaliptos e acácias ou mimosas, estas últimas por serem invasoras bem adaptadas a zonas incendiadas.



Apesar disso, os carvalhais e os montados de sobro e de azinho ocupam ainda quase um milhão de hectares em Portugal, sendo necessário, no entanto, para a defesa, manutenção e aumento dessa área, que haja uma radical modificação nas políticas agrícola e agroflorestal do nosso país.



Não se pode continuar apenas com explorações agroflorestais e agrícolas monoespecíficas. Isso implica maiores riscos de catástrofes, como incêndios mais devastadores e maior facilidade de propagação de epidemias.



Com ou sem eucaliptos e acácias, a continuar a onda de incêndios dos últimos anos, as nossas montanhas caminham vertiginosamente para a desertificação com o consequente aumento do assoreamento dos rios.